Externalidades são definidas como efeitos colaterais
não intencionais de produção e consumo que afetam positivamente ou
negativamente a terceiros (PEARSE & TURNER, 1990). Basicamente, o problema
de externalidades surge a partir de falhas de mercado ou como resultado da
falta destes (missing markets) em termos de alocação de todos os efeitos
produzidos a partir de atividades econômicas e sociais aos agentes envolvidos.
A falta de mercados pode ser resultado da falta ou definição indevida de
direitos de propriedade e responsabilidade, custos de transação,
características de uso comum de recursos
entre outras razões (JOSKOW, 1992).
Além disso, para aquelas indústrias que se estruturam
sob uma concepção de rede, há ainda a criação de externalidades próprias a esta
estrutura. Efeitos de rede são externalidades relacionadas ao fato de que o valor
de uma nova conexão à rede aumenta com o tamanho da rede, o que implica em uma
interdependência entre agentes conectados que é vital para o funcionamento e
desenvolvimento desta mesma rede.
Dadas tais definições, curiosamente é possível observar
grande variedade de externalidades no setor elétrico.
As mais intuitivas e comumente debatidas externalidades
na indústria de eletricidade são aquelas relativas aos impactos ambientais e
uso de recursos naturais. Geralmente referem-se aos impactos negativos no meio
ambiente a partir da geração elétrica (por emissões de CO2, uso da terra e
água, mudanças no microclima, fauna e flora, efeitos electromagnéticos,
terremotos, etc.) e pela construção de instalações (por desmatamento,
sedimentação, desvio de rios, etc.).
As externalidades que se relacionam com o uso comum de
recursos limitados, i.e., geralmente descritas como problemas de congestão, são
recorrentes no setor elétrico. Elas consistem na falta de oferta, no caso de
capacidade de receber energia dos geradores ou de atender as cadeias inferiores
do sistema (e.g. atendimento aos consumidores finais).
O chamado feedback positivo que é gerado pelo uso
generalizado de equipamentos movidos a eletricidade (até a criação de um
padrão), criando valor a cada usuário de acordo com o número de outros
usuários. Ao atingir certa massa crítica em termos de adoção do equipamento, se
faz necessário o desenvolvimento em paralelo de novas instalações e capacidades
elétricas para atender a demanda por recarga destes aparelhos. Esse é um caso
de bens complementares como, por exemplo, o carro elétrico e a infraestrutura
de pontos de recarga.
As redes inteligentes apresentam benefícios em diversos
níveis da cadeia elétrica, desde a geração até a distribuição e, além disso,
geram efeitos de transbordamento a outros serviços de infraestrutura de rede.
Portanto é importante analisar as externalidades e
considerar qual seria o melhor mecanismo de alocá-las apropriadamente entre os
agentes e, para o caso de externalidades negativas, encontrar soluções que
mitiguem ou reduzam seus efeitos.
Para solucionar problemas de externalidades, ou seja,
internalizar e alocar os custos e benefícios associados, na literatura há três
classes de soluções. A primeira, prosposta por Arthur C. Pigou (1920), também
conhecida como taxa pigouviana, trata basicamente da intervenção de uma
entidade reguladora estabelecendo apropriadamente uma taxa ou imposto (também
conhecido como adders para tributos ambientais) que poderia corrigir as
distorções geradas pela externalidade.
A segunda, proposta por Ronald Coase (1960), é baseada na
negociação entre agentes, que, em um contexto de ausência de custos de
transação e perfeita definição de direitos de propriedade, levaria a um
resultado ótimo para os agentes envolvidos.
A terceira solução, proposta por Kenneth Arrow (1970),
seria a construção de um mercado para tais externalidades. Assim, o mercado
poderia alocar os custos e benefícios através de um sistema competitivo e
eficiente de compra e venda de direitos sob as externalidades geradas.
Entretanto, em presença de imperfeições de mercado e
informação incompleta para agentes privados e reguladores, o problema de qual
seria a compensação correta para aqueles afetados negativamente pelas
externalidades se torna evidente. Desta maneira, questões fundamentais se
colocam ao debate: através de que ferramentas o regulador pode estabelecer
propriamente as compensações necessárias a serem transferidas de um agente a
outro? Ou qual seriam as regras e estrutura de mercado necessárias para
permitir um comportamento competitivo e uma ótima alocação de custos?
Tendo em conta as externalidades listadas
anteriormente, atualmente algumas soluções já estão sendo implementadas e
outras estão por ser desenvolvidas. Nota-se que para alguns casos, os desafios
são diversos, o que dá espaço a novos debates e temas a serem desenvolvidos no
futuro próximo.
IMPACTOS AMBIENTAIS:
Soluções: Atualmente, existe uma grande
variedade de mecanismos de gestão e controle para impactos ambientais,
sobretudo no que concerne a emissões de CO2produzidas pela produção
de eletricidade. Entre eles estão os impostos verdes (addersou green taxes),
mercados de certificados transacionáveis de carbono, obrigações à compra de
energia de fontes renováveis por parte de distribuidoras (renewable portfolio
standards), regulação e limites a emissões quando da provisão de licenças à
geração e etc.
Desafios: para a maioria dos outros tipos de
externalidade que impactam o meio ambiente, regulação e limites são as
principais políticas para a mitigação dos efeitos ambientais negativos. Isto se
dá pela dificuldade em se conceber a externalidade como um componente uniforme
em diferentes atividades, para que estas possam ser comercializadas em um
mercado, por exemplo.
PROBLEMAS DE
CONGESTÃO:
Soluções: Para problemas de congestão de
transmissão, soluções podem surgir a partir de regras de conexão e design de
mercado. Em uma perspectiva ex ante, a gestão de conexões poderia ser feita a
partir de regras de acesso (“first come, first served”, lista de prioridades,
ordenação pro rata) ou mesmo pela integração vertical das redes com as outras
partes do sistema elétrico por uma única companhia. Por outro lado, em um
sistema que apresente problemas de congestão recorrentes, pelo lado tanto da
oferta e/ou demanda, existem mecanismos de gestão de congestão tanto pela
operação física quanto de mercado (redespacho, leilões implícitos ou
explícitos, direitos de transmissão físicos ou financeiros, etc.), criando uma
forma de cobrar os custos gerados pelas externalidades àqueles que as geram,
tornando os agentes conscientes de suas ações junto à rede.
Desafios: Muitas das soluções expostas são
de difícil e de complexa implementação, o que torna o processo de gestão de
congestão pouco transparente, lesando agentes que não estejam conscientes sobre
suas regras.
BENS COMPLEMENTARES
Soluções: Garantir o desenvolvimento em
conjunto de instalações e equipamentos que sejam complementares requer grande
coordenação entre os agentes que os promovem e/ou um planejamento centralizado
por parte de agentes públicos ou privados.
Desafios: Quando o desenvolvimento da
infraestrutura e do mercado de equipamentos correlatos evolui de forma
descoordenada e defasada, podem surgir dificuldades para o setor atingir a
massa crítica necessária para que os feedbacks positivos sejam gerados. Com
efeitos de rede, o investimento de um indivíduo atribuído à rede é complementar
a de investimentos similares de outros indivíduos, causando uma grande expansão
do número de ativos também complementares (SHAPIRO & VARIAN, 1999). Além
disso, se a infraestrutura não é bem estruturada, planejada e adaptada,
problemas de congestão também podem ocorrer. Em termos de concorrência, outro
importante aspecto são os custos de troca de equipamentos ou do sistema
utilizado se um dado padrão é construído. Se este apresentar baixa
inter-operabilidade e compatibilidade com outros tipos de equipamentos e
sistemas, a adoção de novas tecnologias e a entrada de novos agentes poderão
ser gravemente limitadas.
REDES INTELIGENTES
Soluções: Mensurar benefícios da adoção de
redes inteligentes pode ser feito em nível sistêmico ou por partes da cadeia,
considerando custos e benefícios totais associados à presença dos equipamentos
ditos inteligentes.
Desafios: Alocar devidamente tais custos e
benefícios ao longo da cadeia de valor pode ser complexo, em função das
interações dentro do sistema, que muitas vezes não são tão evidentes. Outro
problema é o de como mensurar os benefícios além dos segmentos da indústria, ou
seja, além da geração, transmissão e distribuição. Frequentemente se constata
que o uso de equipamentos inteligentes cria benefícios a outras cadeias de rede
que são correlatas e interdependentes como as de transporte, telecomunicações,
água e etc.
Com tais argumentos é possível observar que o papel de
externalidades no setor elétrico é de suma importância no que diz respeito às
regras e estratégias que regem o funcionamento do setor. Nota-se ao mesmo
tempo, que a partir do exercício de destruição/construção de estruturas
organizacionais e da adoção de novas tecnologias que podem ser observados na
indústria atual, estes conceitos serão constantemente revisitados para uma
melhor adaptação às condições que se impõem e são impostas ao setor.
(*) Economista formado pela UFRJ e atualmente mestrando
pela Université Paris Sud XI, Paris, França
REFERÊNCIAS
ARROW, K. (1970) The Organization of Economic
Activity: Issues Pertinent to the Choice of Market versus Non-Market
Allocation. In: R. H. Haveman And J. Margolis, eds. Public expenditures and
policy analysis. Chicago: Markham, 1970, p.59-73
COASE, R. (1960) The Problem of Social Cost. Journal
of Law and Economics Oct. 1960, 3, p.1-44
JOSKOW, P.L. (1992) Weighing Environmental
Externalities: Let’s Do it Right.The Electricity Journal. May,1992
PEARCE, D.; TURNER, R. K. (1990) Economics Of Natural
Resources And The Environment. Hemel Hempstead: Harvester Wheatsheaf; 1990.
PIGOU, A. (1920) The Economics Of Welfare. London:
Macmillan, 1920. 976p.
VARIAN, H. (1994) A Solution to the Problem of
Externalities When Agents are Well-Informed. The American Economic Review,
Vol.84, Nº 5. Dec 1994. p.1278-1293.
SHAPIRO, C.; VARIAN, H. (1999) Information Rules: A
Strategic Guide To The Network Economy. Boston, Mass: Harvard Business School
Press, 1999.
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