A julgar pelos investimentos bilionários
despejados na construção de grandes hidrelétricas, tudo levaria a crer que a
geração de energia captada nas águas dos rios vive hoje a sua melhor fase. Não
é bem assim.
O vigor de empreendimentos como Belo Monte,
Jirau e Santo Antônio tem ajudado a ofuscar uma crise que se instalou entre os
projetos de pequenas centrais hidrelétricas espalhados pelo país.
As
chamadas PCHs, termo usado para definir usinas que geram até 30 megawatts (MW),
atravessam um momento difícil, uma situação sem data para acabar e que, segundo
especialistas e empreendedores, é resultado da falta de estímulos fiscais e de
uma burocracia capaz de manter um projeto por anos na gaveta.
A
paralisia das pequenas hidrelétricas ganhou traços mais nítidos no mês passado,
quando nenhuma das 27 PCHs habilitadas no leilão da Empresa de Pesquisa
Energética (EPE) conseguiu fechar negócio para oferecer energia daqui a três
anos.
A
frustração é simples de explicar, diz o secretário-executivo do Centro Nacional
de Referência em Pequenas Centrais Hidrelétricas (CERPCH), Thiago Filho.
"Os custos atuais para construção e operação de uma PCH não permitem que
ela se torne viável com uma oferta inferior a R$ 140 o MW/hora, enquanto o
valor pago nesse último leilão ficou abaixo de R$ 102 o MW/hora", afirma.
Os
empreendedores culpam a falta de incentivos do governo e o tratamento
indiferente dado às PCHs. Embora elas estejam enquadradas no rol das fontes
alternativas de energia, não contam com as mesmas benesses garantidas à geração
eólica e às usinas de biomassa, que tiveram suas alíquotas de ICMS zeradas.
Para as usinas de vento, inclusive, o governo também abriu mão do Imposto Sobre
Produtos Industrializados (IPI).
"Na
hora de fechar a conta, vemos que uma PCH paga 15% a mais de imposto que uma
usina eólica. Dessa forma, fica impossível ter qualquer competição", diz
Luiz Antonio Valbusa, sócio da Semi Industrial, empresa que fabrica
equipamentos para pequenas hidrelétricas.
Atualmente,
há 402 PCHs em operação no país, as quais respondem por 3,20% da capacidade
nacional de geração, segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Centenas de outros projetos estão em análise dentro e fora da Aneel, mas o futuro
desenhado para as PCHs não é nada estimulante, como refletem os dados do Plano
Decenal de Energia (PDE).
Esse
plano, que é atualizado anualmente, projeta a demanda de energia e a capacidade
de geração do país para os próximos dez anos. Até o ano passado, o PDE previa
que a energia gerada pelas PCHs cresceria 72,3% entre 2010 e 2019, atingindo
6.966 MW. Trata-se de um crescimento, basicamente, vegetativo, mas a situação
ainda ficou pior. Na versão deste ano, o PDE reduziu a taxa de crescimento das
PCHs para 69,4%, com geração de 6.047 MW.
Até
o fim deste ano, o potencial de geração das pequenas hidrelétricas atingirá
4.201 MW, enquanto as eólicas somarão uma potência de 1.283 MW. Daqui a dois
anos, porém, as usinas de vento já terão superado a capacidade das PCHs,
gerando 5.272 MW, diante de 4.376 das PCHs.
"Temos
de admitir que há um desalento generalizado com as PCHs", diz Charles
Lenzi, presidente da Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa
(Abragel), organização que também tem empreendimentos eólicos e de biomassa
entre seus associados. "Entre os investidores não tem segredo, eles
apostam no que consideram mais atrativo. Por isso, tem muita gente abandonando
a PCH para investir nas eólicas e em biomassa", afirma Lenzi.
Além
de ter uma energia com preço nada competitivo, as PCHs sofrem com o excesso de
burocracia na aprovação dos projetos. Para participar de um leilão de energia,
por exemplo, uma usina eólica ou de biomassa tem de apresentar apenas um estudo
de viabilidade técnica à Aneel, enquanto a PCH precisa submeter um projeto
básico à agência e, só depois de ter esse estudo aprovado, ir atrás da
habilitação para participar da disputa.
A
participação em leilões do governo não é garantia plena de sucesso, o que leva
a maioria das PCHs a oferecer sua energia para o mercado livre, onde se negocia
diretamente com grandes clientes. Um levantamento feito pela Abragel aponta
que, entre 2005 e 2010, apenas 24 PCHs tiveram êxito em leilões, com a venda de
228,1 MW. Por outro lado, as eólicas, só em 2009 e 2010, fecharam 141 projetos
com capacidade de geração de 1.678 MW.
"É
verdade que as PCHs nunca tiveram um desempenho muito favorável nos leilões,
mas temos percebido uma perda de competitividade muito forte", diz Charles
Lenzi, da Abragel.
Atualmente, há mais de 500 projetos de PCHs em trânsito na
Aneel, aguardando - muitos deles por anos a fio - uma resposta final da
agência. São muitos os casos em que a demora na aprovação de projetos mina o
interesse do investidor, que desiste da empreitada e parte para outro negócio.
No
discurso, o governo defende os projetos de PCHs. As pequenas usinas têm
vantagens, como o fato de serem pulverizadas pelo país, o que diminui custos
com a instalação de grandes linhas de transmissão. Elas também são garantia de
abastecimento regional, o que alivia o sistema nacional. As PCHs funcionam com
turbinas a "fio d'água", modelo que dispensa forte queda de energia e
que tem menor impacto ambiental. Além disso, essas usinas contam com uma indústria
de equipamentos, operação e manutenção 100% nacional.
"Temos
cobrado políticas que sejam isonômicas para fontes renováveis. Não temos nada
contra outras fontes, pelo contrário, todas precisam crescer, mas o governo tem
de dizer se PCH é importante ou não para a matriz do país", comenta
Charles Lenzi. "Até porque, se elas não forem, o empreendedor precisa
saber disso", completa.
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