Grupo de 30 pessoas começaria nesta semana a trabalhar na hidrelétrica, que teve as obras interrompidas após quebra-quebra.
Patrick Cruz, enviado especial a Porto Velho
21/03/2011 05:40
Samuel Dorvilus gosta é de tomar sopa de manhã, como é hábito em seu Haiti natal. Jean Pierre Vivendieu enfatiza a eloquência de seu português ainda titubeante com um gestual à moda dos rappers: mão para cima no início da frase, mão para baixo no fim dela. Chelot Saint Jean, pai de cinco pequenos, é pintor, cozinheiro, ferreiro e um feliz dono de dicionário, do qual é difícil vê-lo se livrar. Eles são os haitianos de Jirau.
Samuel, Jean Pierre e Chelot estão entre os mais de uma centena de haitianos que se aboletaram em Porto Velho há três semanas para tentar um emprego na terra de oportunidades em que Rondônia se transformou. Cerca de 70 integrantes do grupo original já acharam trabalho. Os 30 remanescentes estão com exame admissional marcado para esta segunda-feira em uma das empresas que presta serviços ao consórcio que constrói a usina hidrelétrica. No entanto, com a interrupção dos trabalhos na hidrelétrica na última semana, motivada por um quebra-quebra no canteiro de obras, eles até podem passar no exame, mas terão que esperar mais um pouco para colocar a mão na massa.
Eles não viajaram juntos, mas a trajetória foi a mesma. Do Haiti eles partiram para o Panamá, em viagem de avião. Também de avião foi o deslocamento para o Panamá, seguido por outro voo, para o Equador. A partir da chegada à América do Sul, as viagens foram feitas todas de ônibus: do Equador ao Peru e do Peru ao Acre, a primeira escala em solo brasileiro.
Pouco mais de um ano depois do terremoto que arrasou parte do Haiti, o grupo resolveu dar ouvidos aos soldados brasileiros que fazem parte da força da ONU no país – e eles relatavam uma onda de prosperidade em Rondônia. No Estado estão as obras das hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, ambas no Rio Madeira. São as duas maiores obras em andamento no Brasil atualmente.
“Teve gente que trabalhou por dois anos para juntar dinheiro e poder vir para cá”, diz o falante Jean Pierre Vivendieu, habilitado a trabalhar tanto como ajudante de pedreiro quanto como costureiro. “Pretendo ficar um tempo para trabalhar, mas claro que um dia quero voltar”, afirma. “Tenho uma noiva lá. Tenho que me casar algum dia, afinal”. Mas a reserva de dois anos não foi suficiente para muitos: faltou dinheiro entre o Equador e o Peru. De lá, Vivendieu e outros telefonaram para casa para que os familiares fizessem um depósito adicional de recursos. O deslocamento custou a cada um deles em torno de US$ 2 mil (ou R$ 3,3 mil).
A entrada de haitianos no Brasil já tem acendido a luz amarela das autoridades brasileiras - que, se tentam agilizar a burocracia de sua permanência no País, também não querem estimular a vinda de novas levas. Segundo relatos do grupo, há 136 haitianos em Porto Velho. Desses, 108 passaram por triagem da Secretaria Estadual de Assistência Social no Ginásio Cláudio Coutinho. Foi no ginásio que eles foram acomodados pelo governo local, que intermediou o contato com potenciais empregadores. Das 76 empresas que mandaram representantes para negociar a contratação dos haitianos, 14 admitiram ao menos um membro do grupo – do qual fizeram parte menos de dez mulheres, todas contratadas como cabeleireiras ou domésticas. Restaram os 30, que nesta semana começariam a atuar em Jirau.
Há no grupo carpinteiros, ajudantes de pedreiros e pedreiros, mas há também gente como Samuel Dorvilus, que ainda estranha que no Brasil não se sirva sopa de manhã. Professor de francês e espanhol no Haiti e designado como um dos líderes do grupo, ele deve desempenhar alguma função administrativa em seu futuro empregador. Dorvilus deixou para trás a esposa e o filho, Samuel Júnior, de um ano.
Francker Joseph e Detamar Evency estavam entre os 108 que ocuparam o Ginásio Cláudio Coutinho originalmente. Não estão mais porque conseguiram emprego em um bar da cidade. Evency diz, driblando a timidez, que gosta da onipresença de futebol e lutas na TV brasileira. Joseph celebra os braços abertos que tem encontrado. “As pessoas daqui gostam do Haiti e dos haitianos”, diz. Ele ainda sofre com a jornada de um profissional da noite, que não raro se estende até as três da manhã, e antevê seu retorno ao amado ofício de pedreiro.
“Eles são muito humildes e muito alegres”, diz a assistente social Elenilda Torres, que trabalha no Cláudio Coutinho com o grupo. E são também legalizados, afirma a secretária de Assistência Social de Rondônia, Cláudia Moura. Todos eles foram enquadrados na Lei 9474/97, a lei dos refugiados, segundo ela, e estão com a documentação em dia. O governo condiciona a contratação dos haitianos à oferta de moradia e alimentação. É assim que, aos poucos, eles têm deixado o ginásio.
O futuro empregador de Anel Casumat terá o reforço não apenas de um ajudante de pedreiro com habilidade na costura, mas também de um goleiro para o futebol de fim de semana dos funcionários. É nessa posição que Casumat gosta de atuar. O futuro empregador de Chelot Saint Jean, pai de cinco pequenos, pintor, cozinheiro e ferreiro, terá que saber que ele pretende dispensar os serviços do dicionário em pouco tempo.
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